Ao longo de sua história, o significado (o quê é) e
o sentido (para quê é) da educação tem passado por grandes transformações. Nas
sociedades tribais, a educação traduzia-se como transmissão diária, de pai para
filho, de práticas de sobrevivência. Embora nos dias de hoje entenda-se que
educar vai além das formas de transmissão e assimilação de conhecimentos
práticos, ainda não há consenso, entre os diferentes autores, acerca de sua
finalidade e objetivos.
• Para alguns, educar é conduzir por caminhos que permitam a construção de
conhecimentos, numa forma de apropriação dos bens científicos e artísticos que
a humanidade construiu valorizando-se, quase que exclusivamente, o cultivo da
mente, em detrimento do das emoções, sentimentos e das relações interpessoais.
Sob esse ângulo, o sentido da educação é preparar para a vida, particularmente
para o ingresso no mundo do trabalho, objetivando que o Sujeito se torne apto
para fomentar a produtividade e o crescimento econômico.
Aprofundando esta análise, podemos identificar,
pelo menos, três aspectos:
– a educação volta-se, essencialmente, para as
exigências do Mercado de Trabalho muito afetado pela mundialização e
globalização da economia;
– o sentido da educação está na adaptação dos
Sujeitos a tais exigências, ainda que sejam fonte de desigualdades sociais e
– a tradicional função “extrínseca” da educação
continua preponderando (educar alguém para fazer alguma coisa que dê lucros).
• Para outros, educar é tirar para fora do Sujeito suas leituras de mundo
priorizando a individualidade e subjetividade, o que denomino de função
intrínseca da educação (educar alguém para que usufrua seu desenvolvimento em
nome da felicidade). Sob essa ótica, o objetivo é desenvolver a capacidade
crítica e reflexiva de cada um para que possa melhorar sua compreensão sobre a
vida e sobre os sistemas políticos e ideológicos que o rodeiam, de modo que
suas intervenções sobre o entorno sejam conscientes das responsabilidades para
consigo mesmo, para com o Outro e para com o Planeta.
Assim, se a educação for concebida como um processo
contínuo e permanente de desenvolvimento integral do indivíduo (desenvolvimento
cognitivo, intelectual, físico, espiritual, afetivo e social), o Homem poderá
contribuir para a criação de uma sociedade mais igualitária e mais justa, isto
é, para um mundo melhor.
Em outras palavras e de modo geral, o sentido da
educação pode oscilar entre a priorização da evolução do indivíduo, por seu
direito público e subjetivo de usufruto dos bens que a humanidade acumulou ou a
evolução da realidade social, decorrente dos investimentos que forem feitos na
educação dos indivíduos, objetivando-se a formação de Sujeitos, economicamente
produtivos como princípio e não como decorrência.
Sempre que o investimento nos Sujeitos tiver como
meta a produção e não a Pessoa em si mesma, parafraseando Dermeval Saviani
(2008), estaremos sob a concepção pedagógica produtivista, assim
batizada pela importância concedida ao papel da educação para o desenvolvimento
econômico: “O caráter produtivista dessa concepção pedagógica tem uma dupla
face: a externa, que destaca a importância da educação no processo de produção
econômica e a interna, que visa a dotar a escola do máximo de produtividade
maximizando os investimentos nela realizados pela adoção do princípio da busca
constante do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio” (Saviani Dermeval.
História das Ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2008).
Observe-se que, na concepção produtivista, o
Sujeito, suas características, necessidades e sonhos não são considerados.
Essas dimensões passam a ser irrelevantes, pois o que prepondera é o interesse
do sistema econômico. E a escola aparece sob uma visão reducionista de seu
papel que fica limitado à busca de resultados, os que interessam ao sistema
econômico, predominantemente.
Isoladamente consideradas, cada uma dessas crenças
sobre o sentido da educação é coerente com as concepções de Homem e de Mundo em
que se baseiam. Pode-se considerar que o verdadeiro sentido da educação está
intimamente relacionado com a cosmovisão. Esta se traduz em concepções que não
são consensuais, nem mesmo para uma determinada sociedade, pois o simulacro e o
virtual têm ocupado espaços cada vez mais valorizados em nossas vidas, assim
como dinheiro e poder.
Sujeito e objeto integram, sempre, as matrizes de
pensamento sobre a educação, algumas vezes numa concepção dualista, em
detrimento da unidade dialética entre ambos e da qual decorre uma visão
holística da realidade.
Vivemos em tempo de vertiginosas mudanças, regido
pelos valores hedonistas, pelo consumismo exagerado e desnecessário, estimulado
pela propaganda que tomou conta de nosso dia-a-dia, numa verdadeira poluição de
informações percebidas e recebidas quase que simultânea e imediatamente e sem
que as busquemos (embora com inaceitáveis níveis de desigualdade no acesso e
apropriação das informações).
Com propriedade Fátima Maria Bezerra Barbosa da
Universidade do Minho- Portugal, afirma que:
“O
conhecimento acumulado originou um indivíduo mais reflexivo e exigente, mas
também mais propenso a sofrer decepções. É urgente repensar o projeto educativo
de cada um, respondendo aos seus anseios e aspirações, integrando elementos
cognitivos, racionais, mas também elementos das áreas da afetividade, da
emotividade, dos sonhos e dos desejos.” (Da educação da decepção à educação do
optimismo. Recuperar o verdadeiro sentido da educação. Disponível em http://webs.uvigo.es/reined/ojs/index.php/reined/article/viewFile/213/115
acessado aos 11 de jan 2012.)
Pais e educadores compartilham essas idéias, o que
torna mais paradoxal a constatação de que nossos sistemas educativos não
contribuem, como necessário, para rever nossas formas de pensar a educação em
sua finalidade, objetivos, nos métodos utilizados, nos tempos e espaços onde
ocorre e, principalmente, nas atitudes de todos os que participam do processo
educativo, sejam os educadores ou não.
Mudanças são necessárias e urgentes de modo a que
cheguemos a consensos quanto ao sentido da educação regidos por uma visão
holística que priorize o Homem e a qualidade de sua vida.
A inquietação perante a realidade deve ser
estimulada em busca de sua desocultação, para todos, com ênfase para o Sujeito,
construtor de si mesmo e do mundo, a partir de um processo de auto-organização
“onde a autonomia, individualidade, complexidade, incerteza e ambiguidade se
tornam quase caracteres próprios do objeto. Onde, sobretudo, o termo “auto”
traz nele a raiz da subjetividade” (MORIN, Edgar in: Da educação da decepção à
educação do optimismo [op.cit.], 2001).
É, sem dúvidas, mais significativo saber perguntar
em vez de apresentarmos respostas prontas e mecânicas nas quais a reflexão não
foi acionada.
Os grupos minoritários e que têm sido vítimas da
exclusão precisam, igualmente, de oportunidades de desenvolvimento integral,
para que o sentido da educação seja includente de todos e todas de modo a
promover a evolução da realidade individual e social.
O papel do professor, da escola e da família deve
acompanhar as mudanças a que nos referimos de modo que:
- o professor assuma atitudes de educador
substituindo seu fazer como profissional do ensino para o de profissional da
aprendizagem e que valoriza o aprendiz na integralidade do seu Ser;
- a escola assuma sua condição de espaço
privilegiado de relações com o saber e de relações de saber, como nos ensina
Bernard Charlot. Espaço de trocas, de imagens mítico-poéticas, de
intersubjetividade graças às práticas comunicativas, quaisquer que sejam espaço
prazeroso de construção de conhecimentos e de desenvolvimento global;
- a família como parceira e cúmplice dos educadores
e da instituição escola, como agente educativo que alicerça suas relações na
afetividade e na crença no potencial de seus filhos, independentemente das
limitações que possam apresentar.
Utopias? Talvez.
Mas são as utopias que nos fazem caminhar e ir mais longe!
Rosita Edler Carvalho